sábado, junho 19, 2010

Vamos fazer mais "Xixi" no mundo...


“Creio que, em primeiro lugar, para falar da morte é preciso estar vivo. Os mortos não falam da morte, embora, em princípio, devessem saber tudo sobre ela. Mas é que nós julgamos, os vivos, que sabemos alguma coisa da morte dos outros. Não chegaremos a saber nada, nem sequer da nossa própria morte. Não creio que venhamos a saber alguma coisa da morte que tenha alguma utilidade para os vivos. Porque, mesmo que soubéssemos tudo a respeito dela, o simples fato de estarmos vivos nos impede de aprender algo que tenha que ver com a morte. Seria necessário uma demonstração racional sobre o que nos acontece. Não o que nos acontece na morte, o que nos acontece depois da morte.

Tenho isso, enfim, bastante claro. Desapareceu a matéria e com ela desapareceu tudo aquilo que, durante um tempo e consensualmente, achamos que não é matéria --que chamamos de espírito, alma ou coisa que o valha.

Às vezes pessoas vivem como uma espécie de enamoramento da morte. Levam a vida toda como que namorando a morte. Eu não pertenço a esse grupo. Não namoro a morte. Escrevi sobre ela. Terei escrito sobre a morte realmente? No fundo, acho que não. Porque, em primeiro lugar --e isso parece bastante óbvio--, escrever sobre a morte, no fundo, é escrever sobre a vida. Porque é desde o ponto de vista da vida que estamos a escrever sobre a morte.”

(José Saramago- Entrevista-Folha.uol- 2005-http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/753302-escrever-sobre-a-morte-e-escrever-sobre-a-vida-disse-saramago-em-2005.shtml)

Então, eis-me aqui, digníssimos, vivendo.

Quando pensei que o tema seria outro, mais uma vez nele permaneço. Não posso deixar de registrar mais essa perda triste, agora, para o mundo todo. Faço minhas as palavras do cineasta Fernando Meirelles ao comentar a morte do Saramago: “o mundo ficou ainda mais burro e ainda mais cego hoje". José Saramago, aos 87 anos, morreu em casa, após o café da manhã. Uma morte tranqüila, bonita. (desde quando morte é bonita, João???). É assim que, mais uma vez, desejo imitá-lo. Assim na vida, “Cadernos de Saramago”,na existência, quem sabe aos 70 anos, reconhecido como escritor, e no final, não pretendendo tanto tempo assim - mas quem saberá? - alguns anos mais me sejam permitidos...Um tempo curto, porém, de agora em diante, um tempo eterno. Não é preciso ler todas as obras, mas é imprescindível que assim se faça enquanto houver tempo, para que se saiba quem é( foi) Saramago. Eu li, talvez, os mais importantes, digamos. O Ensaio Sobre a Cegueira (muito antes do filme), o Ensaio Sobre a Lucidez e o Evangelho Segundo Jesus Cristo. Fica aqui a sugestão de ser lido nessa seqüência, Ensaio Sobre a Cegueira e após o “Sobre a Lucidez”. Com eles eu conheci o escritor. A inteligência,a perspicácia, a racionalidade, a maestria em nos fazer enxergar as dimensões de nossa vida, a mesquinhez dos comportamentos humanos nos mais diversos momentos e condições de nossas vidas, enfim, narrados numa obra de ficção, mas que tanto se assemelha as nossas vidinhas cotidianas e que muito nos “reflete” nos contextos simbólicos ali criados. Todos devemos ler o Ensaio Sobre a Cegueira, pelo menos, uma vez na vida. Então, em seguida, fui pesquisar mais sobre o escritor e li muitas entrevistas sobre ele e dele próprio. Foi bem na época do lançamento da última obra "Caim", que teve muita repercussão, inclusive levantando, novamente, a questão do escritor e sua divergência com a igreja católica. O que me tornou, por conta disso, mais um admirador desse genial escritor. Peguei novamente o Evangelho, que já tinha tentado ler antes, mas dessa vez, conhecendo o autor, ciente da pitada irônica e realista de suas palavras, consegui navegar na obra e me identificar com ela, ou seja, fazer o que todos nós devíamos já ter feito antes. Refletir, refletir e ponderar, sim, concretamente, drasticamente, sobre as histórias da carochinha, as história fantasiosas que insistem em meter na nossa cabeça. E na cabeça de um recém nascido, que vem ao mundo, segundo a igreja católica apostólica romana, um mundo de Deus, único, onipotente, misericordioso, bondoso, mas que serve, quando bem satisfaz, para meter-nos medo, quando fazemos "xixi" fora do penico, como dizem nossas mães. Saramago fazia bastante xixi...e agora...agora é preciso que apareçam cada vez mais "saramagos" nesse mundo!!! Saramago, que foi chamado “joio” entre o trigo pela igreja católica, em nota após o seu falecimento(quanta desfasatez de Vossa Reverendíssima!!!), deixou-nos esse legado. É preciso chutar, não o balde agora, mas esse penico que é a repressão e imposição religiosa desse mundo. Já viram como, AINDA, se mata e se faz guerra em nome de um deus, de uma religião, de uma igreja, de uma seita??? O ser humano só é livre, belo, verdadeiramente humano, quando se conhece por inteiro, se sabe e se entende humano, na sua finitude, nas suas potencialidades e nas suas limitações. E aí se respeita. E aí se encanta, consigo, com a vida e com o outro. E isso só é possível quando ele pode ousar. Ousar, acima de qualquer coisa, questionar. Questionar a si e a sua volta, o seu mundo. O outro.  Permanentemente, peremptoriamente. E isso só é possível quando não temos alguém nos manipulando como se fossemos marionetes no nosso próprio tempo de existir. O Trigo, meu amigos, há muito já apodreceu. Se, lutar por um mundo mais justo e humano, viver e usar da sua palavra (palavra que é poder!) para gritar contra toda injustiça debaixo desse sol( o que igreja nem religião nenhuma nunca fez) se indignar contra o mal caratismo, a corrupção, a safadeza, a miséria, a pobreza, a exploração e a covardia e denunciá-la, ao mundo, claramente ou por sua obra literária, se tudo isso é o joio, meus amigos, o mundo precisa, urgentemente, de mais joio ou o nome que queiram a esse comportamento empregar. Saramago é isso, e muito mais.Óbvio. Leiam, investiguem, informem-se e tirem suas próprias conclusões. Eu tenho as minhas.
Ficamos assim, mais um dia, mais um adeus.
Precisamos, cada vez mais, fazer muito xixi nesse mundo.

Sugestões:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago

Meu presente de aniversário em outubro ou no natal: Livro "Caim"- José Saramago.

2 comentários:

  1. Infelizmente, o gênio e carismático Saramago se foi. Mas suas obras ficaram... Salve!

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  2. Salve Saramago! Vai-se o artista, ficam as maravilhosas obras que ele criou...
    Acrescento à sua lista de melhores obras dele "O ano da morte de Ricardo Reis" e "As intermitências da morte", que também são maravilhosos!

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