Aprovada, na Argentina, a lei que permite o “casamento gay”. Fico a pensar nas proporções que o assunto remete. E não entendo, sinceramente, qual a necessidade que se tem em insistir tanto nessa palavra, “casamento”. É um prato cheio para a mídia, a manchete, o estardalhaço, o imaginário popular, o folclore, a fantasia e o aumento, alucinante, da ignorância já instituída. Os ânimos, prós e contras se exasperam nessa hora, e assistimos aos mais desnecessários comportamentos, radicais, já apresentados desde então.
De um lado, a ferocidade da igreja e das religiões em geral, brandindo seus tambores de amaldiçoamentos. Sim, as igrejas, santas, apostólicas (também as romanas, principalmente) apregoam “maldições e excomunhões” àqueles que não os seguem. Atualmente não passam de intenções verbais, diferentemente de outrora, quando a cruz e a espada corriam juntas , mundo afora, evangelizando as almas perdidas e resistentes como as de agora. A lei divina que prescreve : “ crescei e multiplicai” ainda se sobressai como o ensinamento mais cuidado e precioso nas regras de condutas aplicadas aos fieis. Mais importante, até, ouso afirmar, que o cuidado e o respeito com a dignidade de uma outra pessoa. Soa, retumbante, da mesma maneira as declarações absurdas de diversos setores da sociedade argentina, que, neste momento está dividida. Até mesmo os responsáveis pelos cartórios civis, alguns deles, estão declarando que se negarão a realizar qualquer tipo de “casamento homossexual”. E, em conjunto a essas negativas, o enredo continua, mundo afora, espalhando com alarde máximo o prenuncio do primeiro casal a realizar a primeira cerimônia, entre outras fanfarronices, desnecessárias e exageradas.
De outro modo, percebemos que a lei vem, isso sim, para amparar direitos básicos, elementares, daqueles que sempre foram excluídos do seu pleno exercício de cidadania. Trata-se da legalização da União Civil -eu prefiro esse termo- entre pessoas do mesmo sexo. Uma confirmação, uma sanção que vem garantir e assegurar os direitos de igualdade e isonomia no exercício do viver entre todos os indivíduos , diferentes, diversos, de uma mesma sociedade. E, no mesmo plano, vem contribuir para abolir as distorções, preconceitos e injustiças que se reproduzem pelas gerações, em conceitos rasos, limitados e fundamentalistas de tradições inventadas, manipuladas e distorcidas. O que pode ser mais humano, justo, acolhedor, mais irmão, mais libertador do que o respeito e a consideração ao diferente, na sua essência ímpar de ser e de viver no mundo? A lei. A justiça. Homens e mulheres, legisladores, trabalham nesse sentido, insistentemente. Não vejo, em contrapartida, nenhum religioso empenhado em tal tarefa.
É imperioso, então, que exista um ordenamento jurídico que estabeleça os limites entre a "sanidade" e a "santidade", dentro de uma sociedade, felizmente, laica. A justiça, bendita sois vós entre os desamparados! ( que faz com que o humilde seja considerado e o poderoso não seja ilimitado). Graças te dou, ó lei!. Permita que as regras civis e de civilidade se sobreponham as regras “morais” de superficialidade. Assim, no mesmo patamar, é importante que se busque a substituição desse termo histórico, identificador de um seguimento heterossexual, carregado de significados tão preconceituosos e intolerantes, excludentes e limitadores , que é a palavra “casamento”. Há tantos outros mais adequados, mais dignos que podem ser adotados, de uma forma mais ampla, civil, laica, humana e libertária. A sanção já foi uma “alforria”. A Argentina já deu o primeiro passo, ousou, marcou no tempo. Fez a hora e não esperou acontecer. Precisa, agora ,cuidar desses detalhes, tão pequenos de nós dois...