quinta-feira, setembro 23, 2010

Arte Moderna ou Rupestre?


A arte imita a vida. Ou pode ser o contrário, muitas vezes. Da mesma forma, como na vida, a arte tem o seu significado. Até a moderna, mesmo que digam o contrário, por aqueles que entendem ou pelos outros que não apreciam qualquer exposição dela. E , ainda por cima, é ideológica. Mesmo na mais pura subjetividade, representa algo. Do contexto, do artista. Do motivo que o inspirou. Que seja. E como tal, respingam na tela da vida as cores distintivas das intenções mais íntimas do seu criador. É linda a liberdade para criar. E o exercício desse direito é inegavelmente assegurado. A liberdade de expressão, de comunicação, de pensamento. Felizes devemos nos sentir nesse pedaço de mundo com tal graça. Porém, e não é de hoje, pudemos acompanhar as conseqüências desagradáveis de certas extravagâncias, desmedidas, (ou mal calculadas?) que foram apresentadas por dignos artistas contemporâneos nossos. Escritores, chargistas, desenhistas que tiveram suas vidas transformadas por perseguições de extremistas religiosos, por exemplo, por terem retratado em suas obras um outro olhar em relação ao tema, no caso a religião e , em particular ao profeta Maomé.

Não é o caso em questão, mas se assemelha no que se refere a extremidades e desproporções. Refiro-me às notícias veiculadas recentemente em relação à 29ª Bienal de São Paulo, no tocante a exposição das obras do artista pernambucano Gil Vicente e a repercussão das mesmas perante a OAB. Os autoretratos, intitulados Inimigos”, desenhos em carvão, apresentam o próprio artista “matando” algumas personalidades políticas nacionais e mundiais. A OAB considerou um ato de “apologia ao crime”. O prezado articulista da revista época ,Luis Antonio Giron, em artigo “A Arte Criminosa”, questionou as duas partes, indagou ao leitor sobre até que ponto pode chegar o artista e deu uma escorregada quando condenou os juristas a “falarem mal” da referida obra. Não vi essa parte. Na verdade, não entendi dessa maneira o fato de o presidente da Ordem ter emitido nota em repúdio ao que considera atentatório as regras de civilidade e, da mesma forma, uma incitação banal à violência. Imagens semelhantes, a exemplificar tal comportamento, de indivíduos apontando armas contra a cabeça de outros permanecem estampados em nossas memórias, a exemplo do episódio do ônibus 174, no ano de 2000, no qual a vítima, professora no Rio de Janeiro teve um final trágico nas mãos de um bandido.Uma realidade da qual não podemos fugir.  Agressões visuais desse quilate, e não é preciso que alguém me lembre de que existem outros tipos de agressões visuais, por ora nos detenhamos neste assunto, é importante que se diga, provocadas e apresentadas em nome de uma "Arte", me parece uma gigantesca falta de noção, do estético mesmo, do real, e inclusive do imaginário, e ainda, do senso de historicidade e realidade da própria vida.

Tá certo que o descontentamento é geral, que a revolta e a desilusão são grandes. Porém, a manifestação dessa dita “Arte” com as tonalidades explicitas de um ódio latente, concretizado num desejo objetivo, estampado nas figuras e comentado literalmente, não me parece algo adequado ao nosso tempo atual, de busca por nos tornarmos mais humanos, de necessidade de harmonia, de melhor entendimento entre os diferentes. Não vejo como forma de protesto criativo, nem tampouco inteligente, nem muito menos crítico, na acepção construtiva da palavra e, ainda pior, nada educativo, na acepção e na esperança, tão almejada e buscada pelos educadores, pais e todos aqueles que compreendem a verdadeira necessidade em buscar a tão distante paz entre as criaturas da terra. Além de tudo isso, segundo o artigo de Época, o “artista”, diz textualmente que não vota e odeia líderes, “ que as personalidades que ele matou no papel são em geral criaturas detestáveis e muitas delas desonestas. Quer mostrar sua revolta contra o Estado e a ordem jurídica .” Nota-se que essa foi a melhor maneira que ele encontrou. Uma visão mais do que limitada, tosca, vil, trivial, banal, rupestre. Um clichê de mau gosto, totalmente ao estilo “simplório”, da mais atrasada concepção de vida, das mais atrasadas pessoas que habitam as zonas mais suburbanas, de qualquer cidade que possamos imaginar.

Gil Vicente põe sim, em sua criação, toda a sua crença e visão de mundo particular. Traumatizado. Na entrevista à Veja ele deixa clara sua posição descontente, inconformada e revoltada com a situação política atual. Lugar comum, chavão populacho: ...porque são todos uns ladrões sujos”. “Esse trabalho é fruto da minha indignação com a forma como esses caras conduzem o mundo. É um trabalho muito sério”, ainda arrisca a dizer. Intenção exemplar, constatamos. Vocabulário idem. Ideologia que preocupa e assusta. Conserva todo aquele contexto já mencionado das visões atrasadas, distorcidas e muitas delas ignaras, das grandes periferias com suas respostas, sempre violentas, a qualquer tipo de conflito do qual tenham que se desvencilhar.

A pintura das cavernas, há mais de 10 mil anos atrás, transmitia e demonstrava os rituais, os costumes, os hábitos e comportamentos da época , daquele momento histórico, específico. Onde, muito apropriadamente, é compreensível encontrar vestígios e marcas de atos e fatos de grande violência, perpetrados por algum motivo, necessidade, ignorância ou circunstância. O tempo, as coisas, a vida e as pessoas mudaram muito desde então, creio eu. Tenta-se, pelo menos, ainda hoje. O mesmo, porém, não se verifica, lamentavelmente, na simbologia perdida de algum “artista” que sempre (inocentemente, será?) se põe na oposição sistemática e anárquica, da árdua e cansativa tarefa da construção de um mundo melhor.

Duas observações modernas:

1. O desejo e a necessidade em eliminar o oponente, aquele que me é diferente, aquele que me incomoda, aquele que é minoria, matando-o (covardemente, diga-se, pela observação das imagens “artísticas”, até onde sei, imobilizando a vítima ou atirando pelas costas ) como única forma de solução desse meu conflito (interno, traumático?) é característico, exemplarmente, de um comportamento nazista. Fim dos tempos.

2. O site do artista, http://www.gilvicente.com.br/, só disponibiliza para “baixar em alta resolução” os desenhos da coleção “Inimigos”. Será que há alguma outra intenção que a minha rupestre inteligência não conseguiu captar?? Fim desse texto.

Fonte:
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/29a-bienal-de-sp-abre-com-polemica-sobre-obras-de-gil-vicente-e-clima-de-renovacao
 
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/gil-vicente-comemora-a-repercussao-gerada-com-a-oposicao-da-oab

http://www.gilvicente.com.br/

http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/09/20/artista-mata-lula-fh-outros-politicos-na-obra-mais-polemica-da-bienal-de-sp-919729928.asp

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI173379-15230,00-A+ARTE+CRIMINOSA.html

3 comentários:

  1. Adorei o post João! Muito bem escrito e concordo com tua visão plenamente. Abraço.

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  2. Anônimo2:57 AM

    Concordo com o Artista! num mundo com tanta ''violência Visual'' que qualquer criança assiste tanto na internete ou em dvds piratas é só arma na cabeça e sangue, morte, jogos mortais e um leque de coisas que estão no topo de sussesso!! filmes retratam mortes a líderes!até Casseta e Planeta mata líderes, mesmo que por brincadeira!ahh dá licença, o cara foi um gênio! as vezes muitos de nós pensamos e não temos coragem! eu acho que esse seu comentário foi também um assassinato '' Uma visão mais do que limitada, tosca, vil, trivial, banal, rupestre. Um clichê de mau gosto, totalmente ao estilo “simplório”, da mais atrasada concepção de vida, das mais atrasadas pessoas que habitam as zonas mais suburbanas, de qualquer cidade que possamos imaginar. meu nome é Thiago Losant... e-mail-thiagolosant@hotmail.com

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  3. Thiago, obrigado pela visita!
    Seria um assassinato se meu comentário fosse a representação, escrita, de meu desejo pessoal em matar o tal "artista". Pelo contrário, ainda ajudei a colocá-lo em evidência. E não poderia ser diferente pois não concordo com a pena capital para eliminar aquele que me é contrário ou do qual discordo. Isso, sim, é típico da noção e do comportamento das pessoas que moram nas periferias (não só elas, óbvio) e que tem esse tipo de visão e solução para tudo. Pior, também, é quando se percebe a mesma coisa naqueles que não são de periferia. Eu moro na periferia. Convivo com a periferia. Portanto, não é preconceito, é conceito. Escritores, artistas, retratarem a violência real e atual no mundo é uma coisa, necessária e importante. Agora, retratar a execução do seu próprio desejo, do seu ódio contra aqueles que lhes são contraditórios, usando como solução deste conflito uma arma e um assassinato, covarde em muitos casos, não tem outro nome: Apologia à violência e ao crime. Nazismo. Vil, torpe, execrável, abominável. E, o que fecha com “chave de latão” a referida “obra” é o próprio vocabulário usado pelo “artista” em suas entrevistas. É só ler. Ódio, rancor, desinformação, trauma, visão rasa de mundo. Além do brutal desrespeito aos milhões e milhões de pessoas que legitimam a existência de tais líderes.
    É essa a colaboração "artistica" à humanidade e a necessidade em nos tornarmos mais "gente" na convivência social de todo dia?
    Solução, proposta de mudança, caminho, alternativas? Nada. Faca neles!
    Definitivamente, é uma visão pobre para quem quer figurar no rol daqueles que, realmente, se propõe a permitir a nossa percepção diversa, bonita e inteligente, em relação às coisas da vida: Os ARTISTAS E SUA ARTE.
    E , outra, Casseta e Planeta não é parâmetro pra nada , né, convenhamos. Ainda mais para arte ou inteligência. Fala sério!! Já morreu junto com o Bussunda.
    Abraço!
    Volte sempre.

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