sábado, dezembro 11, 2010

ENTREVISTA-César P. Trajano- PARTE 2


PARTE 2- A EDUCAÇÃO É TUDO
Entrevista em 20/11/2010

Foi numa tarde, como todas as outras em que lá estive, prazerosa. Eram 17 horas quando cheguei e acabei saindo de lá depois da meia noite, após um rápido jantar pedido numa tele-entrega. Começamos nossa conversa descontraidamente, falamos sobre a viagem que ele está prestes a fazer, a expectativa desse sonho que está por realizar. Em fevereiro estará indo para a Inglaterra e foi por aí que começamos a dividir nossas sensações. Em seguida, como não podia deixar de ser, como sempre acontece quando nos encontramos, começamos a relembrar os nossos dias de estudante na faculdade, das coisas que aconteceram e de como foi o início da nossa amizade, como nos aproximamos. Aí passamos a discorrer sobre o assunto que sempre nos identifica e preocupa, a educação.

Comecei perguntando a ele sobre como estava, então, a vida agora, de profissional, de professor. Se tinha mudado alguma coisa ou se continuava a presença das mesmas dificuldades que observávamos no período de estágio. Aí, ele passou a me expor a realidade/dificuldade que estava passando no momento, assim como os projetos que está  desenvolvendo nas escolas onde está lecionando nesse ano. Fiquei mais uma vez, posso admitir, entre impressionado e fascinado com as iniciativas que ele vem desenvolvendo. Fiquei, obviamente, muito feliz pelo que ele está  fazendo com os seus alunos, pela luta que está travando com a bagunça do ensino público, por um lado, aliado ao descompromisso dos próprios colegas, outros professores e, por outro, pela mudança que, mesmo sendo pequena, pode ser uma esperança a ser implantada nas demais escolas em relação às melhorias na qualidade da educação em nosso país. Fiquei, também, e não poderia deixar de dizer, com muito orgulho, admirando cada vez mais esse profissional exemplar que é o Professor César, que está no inicio de um processo difícil de transformação desse espaço educacional, meio que sozinho, nesse momento, nas escolas onde está trabalhando 60 horas e introduzindo(tentando) processos interdisciplinares nas suas práticas pedagógicas diárias.  Foi sensacional, confira os melhores momentos:

Dias de estudante em sala de aula, em 2008.
Cadernos De Amaral- E como tá sendo ser professor? Tu gostas do que faz? Era o que tu queria, tu sempre quis ser professor?
César- Eu amo, né. Desde sempre, desde que entrei, desde que eu aprendi a ler, na verdade, aos 6 anos de idade. Eu decidi que queria ser professor. Só não tinha claro, não entendia ainda como isso funcionaria, isso eu fui decidir na 5ª série. Quando eu cheguei na 5ª.  série o conteúdo de matemática me fascinou. Expressões numéricas foi tudo na minha vida. Aquela coisa de chaves e  colchetes, e tinha que seguir uma regrinha. Porque até então até a 4ª. Era aquela ... 4 operações. Então na 5ª. série foi assim, o estopim: Eu quero ser professor de matemática! Aquilo ali foi tudo na minha vida! Mas também não fazia idéia que a pessoa tinha que fazer faculdade. Eu achava que chegava um certo momento da vida que deu, tu completou os estudos, em alguma data. Em algum momento tu completou teus estudos e acabou. Porque sei lá, eu tinha 12 anos na época. Ai, comecei a perguntar daqui, dali, pros professores, como era, ah! tem que fazer faculdade, ah! mas que hora que se faz faculdade, eu possso fazer agora?  Tem que esperar, como que funciona? E fui aprendendo isso. Aí eu vi que a faculdade era uma coisa paga, se tu não puder entrar numa pública, vai ter que pagar por isso. Quando eu fiquei maior eu vi que isso não era uma coisa muito fácil. Então,  eu fui fazer o magistério. Bom, no ensino médio, magistério gratuíto, pelo menos eu vou estar na profissão que eu gosto, ainda não vai ser matemática, mas pelo menos já é a profissão.Fiz o fundamental aqui,(RS) com 15 anos e fui morar em SC e aí eu fiz o magistério lá, de 98 até 2000, exercendo a profissão.

CA- Tu tá revolucionando então a escola?
César- Tô, mas cansa.Cansa na verdade porque eu to com os 3 turnos, porque se eu estivesse um a menos eu teria me dedicado muito mais. Eu sempre fui contra o professor trabalhar 60 horas. Eu só estou trabalhando 60 horas porque foi uma imposição do Estado. Eu acho que não é justo, porque tu não consegue se dedicar. O máximo que tu consegue é fazer isso, é tu ir lá e pegar um livro e ir pra sala de aula e "vamo resolver isso aqui". A minha concepção de educação não é essa. Só que agora, tudo bem, eu to me dedicando a essa gincana, aqui dos meus alunos, só que eu to exausto, esgotado,no auge do meu limite. Meu deus do céu eu to em desespero pra que chegue essas férias, Eu acumulei muita coisa e agora com as crianças eu tenho que tá me reciclando todo dia, com a matemática e com a física do médio eu to me reciclando todo dia, então, realmente ficou , esse mês, extremamente pesado. Agora pode ser que tá acabando o ano eu vou dar uma relaxada. Então, eu acho que o meu aluno não pode ter um professor que trabalhe 60 horas porque o professor tem que se dedicar de alguma forma. Tu não pode entrar nessa profissão pensando em enriquecer, embora quase dê.(Risos!)

CA-(risos) Que bom , então quer dizer que vale a pena ser professor hoje?
César- Vale.Vale a pena ser professor hoje.

CA- Sério? Tem muita gente que reclama, né, tá insatisfeito...
César- Eu acho que como em qualquer profissão tu tem os teus dias de altos e baixos, tem dias que eu saio de lá assim revoltado, já saí de lá até chorando, magoado, pensando assim, minha aula foi um horror, eu não consegui agradar eles, por isso que eles fizeram isso, por que eu trouxe alguma porcaria que não foi legal. Como é que eu vou melhorar isso? Mas eu saio magoado não com eles, comigo. Que espécie de professor eu sou que não consegui envolver os meus alunos, que eu não consegui fazer com que eles gostassem da minha aula? Amanhã eu tenho que levar alguma coisa totalmente diferente, totalmente revolucionária! E isso é o que eu acho ser o professor, porque nós estamos, também, nesse momento assim, de tecnologia, de revolução, meu deus, as coisas se mexem! As coisas falam! As coisas tem cor! E aí eu vou lá dizer pra eles que “um produto notável tem que pegar o quadrado do primeiro vezes o quadrado do segundo?” O que que é? Vai te catar com isso aí"...Então eles precisam desse elemento surpresa, tu tem que ser surpreendente a cada dia. Um dia com uma aula interdisciplinar, no outro , extremamente tradicional. Quando eles já estão de saco cheio tu vem de novo com uma revolução assim, que eles ficam: "Mas como assim, esse cara é louco? Ontem ele tava assim , uma aula brocha daquela e hoje ele me vem com tudo isso aí!" Tu tem que deixar eles sempre esperando de uma forma que não vai ser sempre a mesma coisa. Vai ser sempre uma novidade, sempre algo novo. Um dia tu leva, simplesmente manda eles fazerem fila e leva eles pra aula de informática porque tu preparou uma coisa fantástica lá e eles não fazem idéia que tão indo ver aquela coisa fantástica. No outro dia tu leva pra sala do vídeo. Chega lá, tu tá trabalhando um vídeo que fala de valores, do bulling. Mas tu é da matemática, cara, o que que tu quer? Não, mas antes disso eu sou um educador, eu sou da educação. Tu vai conversar com eles, bater um papo sobre as agressões que estão acontecendo...Isso pra mim é ser educador.

CA- O professor então tem que ser esse tipo então...
César- O professor tem que ser isso, alguém dinâmico, surpreendente, criativo. É um casamento eu acho, tu nunca pode deixar cair na mesmice, na rotina. Eu sou um garimpeiro...

CA- Um “garimpeiro da educação”. Eu adorei isso. Então um professor deve ser um garimpeiro, tu definiria um professor assim, hoje?
César- Sim, concordo, é um “garimpeiro da educação”. E também ele tem que ser inovador...Eu acho que isso é a palavra, tu tem que ter opção. Tu tá indo lá pelo salário? Que é o que eu vejo, 90%.Os que estão lá tentam te desmotivar de alguma forma. Quando os meus colegas souberam que eu vou pagar o passeio, porque a escola não me dá subsidio nenhum. Pra eu organizar essa gincana, todo material que eu preciso eu tenho que tirar do meu bolso. Qualquer atividade que eu queira fazer e tenha que ter uma premiação, porque eu concordo com a premiação. Eu acho assim, que tudo na vida é um esforço, tudo na vida tu faz por alguma recompensa, tu trabalha por uma recompensa, tu estuda por uma recompensa, é dessa forma que funciona.então os meus colegas ficaram assim surpresos, porque eu me propus a pagar o tal do passeio, que é na quinta da estância, num hotel fazenda, cada um vai custar 51 reais. Eu tenho duas turmas. Mas eu prometi e eu vou levar. Porque eles se empenharam, eles se esforçaram e eles mereceram. Eles vão passar o dia inteiro no hotel fazenda, com café da manhã, almoço e várias atrações, que também é educação. E a escola não me dá nada.

CA- Mas e essa coisa de dar alguma coisa em troca, não é meio perigoso? Os alunos vão começar a fazer as coisas só porque tem uma recompensa e não porque...é importante...entendeu?
César- Entendi. É o mesmo questionamento dos meus colegas. E eu também tive muito essa preocupação, mas eu quis arriscar.E eu vi que não, não é só isso. Porque assim, ó: -“Tá professor, agora vamos fazer uma atividade daquelas, mas pode ser fora da gincana, não precisa valer nada, mas faz uma daquelas que é legal, trás uma charada daquelas que tu trouxe que é divertido.” Eles conseguiram ter interesse por aquilo ali. Eu vejo neles essa diferença. E assim, eu vejo que 90% deles falam que mudou o interesse deles, a vontade de vir pra escola, a vontade de aprender , por causa das aulas de matemática e principalmente da “gincana da matemática”....

CA- É o que falta pro professor então... a educação tem solução? A educação pública tem solução? As pessoas costumam dizer que o colégio particular tem mais qualidade....
César- É a vontade...Os professores são os mesmos, só que lá no colégio particular, por exemplo, eles conseguem utilizar a interdisciplinaridade, porque que no público eles não aplicam a mesma coisa, né? Mas ao mesmo tempo eu vejo assim, concordo, tem  mais qualidade, mas também porque? Porque aquela criança que está no colégio particular tem um nível social diferente, tem uma cultura diferente ou convive com uma cultura diferente, uma cultura que também proporciona uma inteligência ou um grau de conhecimento maior....é uma realidade totalmente diferente...eu acredito que se deve a isso. Eu vejo também por aquela comunidade lá, que é extremamente carente mas a escola proporciona a eles essa novidade e essa vontade de aprender. Já nos particulares eu acho que aquilo que o professor vai levar não é tão novidade assim, porque   tem todo um suporte da família por trás...então eu não acredito só na escola particular(a qualidade), eu acredito que é  da cultura da pessoa, das vivencias, o que na pedagogia chama de capital cultural.

A realização de um sonho:
Um outro mundo é possível.
CA-Educação, então, é tudo?
César - Pra mim educação é tudo.Educação é a base, é o pilar, é o inicio , é transformação, é o começo e pra mim, principalmente,  se resume assim: Amor.Como se estivesse se dedicando ao filho, a uma vida. É o futuro de alguém que está em jogo, é tudo, são as relações que essa “pessoinha” vai construir no seu futuro, vai ser o futuro dela. O professor, enquanto pessoa, enquanto profissional, tem o poder assim de, tanto de consertar alguém desestabilizado, desestruturado, mas como também tem o poder de afundar, degradar, destruir alguém que já está  desestabilizado ou está meio desequilibrado e acaba afundando de uma vez por todas. A educação é a arma de tudo, é a arma do futuro, é a arma da revolução.



Um comentário:

  1. Que bonito amiguinho, parabéns pela iniciativa... E adorei ver o boné da Polska! Beijos!

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